VIVÊNCIAS E
MUDANÇAS NO COMPORTAMENTO - SEXUALIDADE
E EROTISMO NA HISTORIA DO BRASIL
Gleide Borges Hartuique
Falar em corpo, Igreja e pecado
quando a America ainda era portuguesa implica compreender o que se entendia por
privacidade há quase trezentos anos. Apenas em 1718 o conceito fará sua
aparição.
Veja o conceito do dicionarista
Raphael Bluteau:
Privado: uma pessoa que trata só de
uma pessoa, de sua família e de seus interesses domésticos.
Mais tarde, em 1798, no seu
dicionário frei Joaquim de Santa Rosa definia que o verbete privido – palavra
substituída pro privado – designava o que pertencia a uma particular pessoa.
Quase cem anos foram necessários para que privado deixasse de significar o que
fosse familiar e coletivo para se centrar no pessoal.
A associação entre nudez e luxuria
provocava os castigos divinos. Ameaçavam-se as pecadoras que usavam decotes.
Eis que a luxuria foi associada a uma profusão de animais imundos: sapos,
serpentes ou rato que se agarravam aos seios ou ao sexo das mulheres lascivas.
Nas igrejas, pinturas demonstravam os diabos que recebiam as almas pecadoras,
nuas em pelo, com golpes de pá e tridentes. Nos livros de oração com imagens, o
justo morria sempre de camisola. O pecador, despido! Enterravam-se as pessoas
vestidas, para ressuscitarem com roupas que as identificassem.
Viajantes estrangeiros que passavam
pelo Brasil, nessa época, ficavam chocados com a nudez dos escravos nas ruas.
As poucas blusas que escorregavam pelo ombro, os seios nus, magros e caídos,
escorrendo peito abaixo. E, contrariamente aos nossos dias, não havia lugar do
corpo feminino menos erótico ou atrativo do que os seios. As chamadas tetas,
descritas nos tratados médicos como membros esponjosos próximos ao coração,
tinham uma só função: produzir alimento. Acreditava-se que o sangue materno
cozinhava com o calor do coração, tornando-se branco e leitoso.
Cá entre nós, o âmbito da higiene
intima feminina, de difícil pesquisa histórica , foi brevemente abordado pelo
poeta baiano Gregório de Matos. No fim do século XVII, ele escreveu sobre a
carga erótica do “ cheiro de mulher”. Sim cheiros íntimos agradavam: o do
almíscar era um deles. O poeta criticou uma mulher que lavara a vagina antes do
ato sexual.
Lavai-vos quando o sujeis
E porque vos fique o ensaio
Depois de foder lavai-o
Mas antes não o laveis.
Lavar a carne é desgraça
Em toda a parte do norte
Porque diz, que dessa sorte
Perde a carne o sal, a graça;
E se vós por essa traça
Lhe tirais o passarete
O sal, a graça, o cheirete,
Em pouco a duvida topa
Se me quereis dar a sopa
Dai-ma com todo o sainete.
O cheiro de almíscar ainda agradava
por estes lados onde o bidet só aportou no século XIX. Mas lavar o corpo com
que? Um pedaço de sabão era bem raro.
Embora longe da higienização de
nossos dias, certa sensibilidade ao cheiro do corpo ia se instalando. Os
processos de divorcio apresentados à Igreja católica revelam traços da
intolerância de certos cônjuges em função do odor. O mau cheiro impedia nas
relações sexuais.
FENDA VISCOSA DO INFERNO
Ser assexuado, embora tivesse
clitóris, à mulher só cabia uma função: ser mãe. Ela carregou por quinze
séculos a pecha imposta pelo cristianismo: herdeira direta de Eva, foi
responsável pela expulsa do paraíso e pela queda dos homens. Para pagar seu
pecado, só dando à luz entre dores. Os médicos, no século XVI, acabaram por
definir o desejo sexual como algo negativo e mais feminino. Mas, se a mulher
fosse privada de companhia masculina, ela se expunha a graves riscos, dizia. A
prova era a “ sufocação da madre” , nas viúvas, freiras e solteironas. É uma
fome ou sede desta tal parte. Doença que só cessa com o socorro do macho. O
prazer feminino era considerado tão maldito que, no dia do julgamento final, as
mulheres ressuscitariam como homens: dessa forma, no santo estado masculino,
não seriam tentados pela carne funesta.
Venenosa e traiçoeira, a mulher era
acusada pelo outro sexo de ter introduzido sobre a terra o pecado, a
infelicidade e a morte. Eva cometera o pecado original ao comer o fruto
proibido. O homem procurava uma responsável pelo sofrimento, o fracasso, o
desaparecimento do paraíso terrestre, e encontrou a mulher. Como não desconfiar
de um ser cujo maior perigo consistia num sorriso? Nesse retrato, a caverna
sexual tornava-se uma fenda viscosa do
inferno ( vagina)
A impotência era considerada
verdadeira maldição. Desde sempre, ela promoveu profundo sofrimento, quando não
situações de humilhação entre os homens. Ao longo de séculos, na literatura e
na poesia, na faltaram indicações do sonho de ereções permanentes e
infatigáveis. Isso porque a obrigação da virilidade já estava profundamente
arraigada em nossa cultura.
Para melhorar o desempenho, nada
melhor do que os afrodisíacos importados da Ásia. Mas pó que tanta ansiedade
para restaurar o arsenal sexual e excitar o apetite viril? Porque o “crescei e
multiplicai” era obrigatório. Era papel de o homem garantir essa operação.
Um funesto destino, porem,
aguardava os esposos muito generosos, pois os prazeres acompanhava-se do
exercício da mais perigosa das funções orgânicas. O espasmo masculino,
voluptuosidade suprema, necessitava, segundo os médicos, de uma gestão severa e
atenta. Pois a emissão do liquido seminal extraía o que havia de mais puro no
sangue, impondo um esforço intenso. O DR Alexandre Meyer chegava a comparar a
perda de 30 gramas dessa substancia à hemorragia de 1200 gramas de sangue. Era
urgente evitar o desperdício. Saber economizar prolongava a vida.
Contraditório demais. Pois a
impotência era como um pecado e a perda do liquido tambem era prejudicial. Como
administrar essa situação se uma estava ligada a outra?
Assim , o homem era responsável por
uma tripla função: combinar a reserva espermática, a fecundação vigorosa e
evitar a voçupia da parceria. O risco? Sem esse coquetel, o coito podia detonar
nascendo tumores uterinos nas mulheres, forças adormecidas nas mulheres
normais, mas que eram reveladas por ninfômanas e histéricas.
Um breve papal, datado de 1587,
definia a impotência masculina como um impedimento público ao sacramento do
matrimônio . muitos processos contra maridos frigidos foram abertos e não
faltaram julgamentos públicos nos quais os homens tinham que fazer, seminus,
exames de elasticidade ou ereção.
Ter filhos sadios implicava algumas
regras que cabia ao medico explicar. E elas sempre se baseavam na “ economia de
espermas” daí uma preocupação enorme com a iniciação da mulher. Nada de
assaltos ferozes por parte do home nem de conhecimentos por parte da mulher. A
importância da virgindade se explica aqui- ela obedeceria melhor a quem a
iniciasse. Se ela se excitasse muito rapidamente, explicava o Dr. Montalban, o
melhor era virar de lado, para acalmá-la.
A ninfomania – o medo da mulher
insaciável era um alerta. A mulher tinha que ser naturalmente frágil, bonita,
sedutora, boa mãe, submissa e doce. As que revelassem atributos postos seriam
consideradas seres antinaturais. Partia-se do principio de que, graças à
natureza feminina, o instinto materno anulava o instinto sexual e,
consequentemente, aquela que sentisse desejo ou prazer sexual seria
inevitavelmente anormal. “ aquilo” que os homens sentiam, no entender do Dr.
William Acton, defensor da anestesia sexual feminina, só raras vezes atingiria
as mulheres, transformando-as em ninfomaníacas. “ toda mulher é feita pra
sentir, e sentir é quase histeria. O destino de tais aberrações: diz ele, o
hospício, direto!!
Muitos pesavam que a histeria era
decorrente do fato de que o cérebro feminino podia ser dominado pelo útero e
consequentemente péssima dona de casa.
A não satisfação do desejo sexual
cobrava um preço alto as mulheres. A paixão por outros homens que não o marido,
ou seja, o adultério, tambem aparecia aos olhos dos médicos como manifestação
histérica. Os remédios eram os mesmos há duzentos anos: banho frio, exercícios
passeios a pé. Em casos extremos, recomendava-se a ablação do clitóris ou a cauterização da
uretra.
* Essa clipagem é baseado no livro da autora Mary Del Priore . A primeira parte está postada. Brevemente postarei as outras .
Abraço
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